segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Outubro

“O ano já está quase acabando”, Alzira pensou quando olhou para o calendário preso em sua parede e viu que já era outubro. Como deixava tudo sempre para a última hora, ela tinha um pouco de ansiedade ao olhar para relógios e calendários porque eles sempre a lembravam das tarefas que ela quis esquecer. Mas ela tinha que olhar mesmo assim, pois já passava das nove horas e ela ainda não tinha saído da cama, e a pilha de coisas a fazer só se acumulava na sua escrivaninha. Então ela se levantou, se trocou e saiu.

Outubro era frio. Frio e seco e ela não gostava. Não gostava de vestir as roupas pesadas, as botas, as luvas e de amassar seu cabelo com aqueles chapéus que insistiam em não sair da moda. Ultimamente ela andava sem paciência e sem vontade de conversar, e só pensava no trabalho que tinha que fazer. Muito trabalho a fazer, por sinal. E seu trabalho era sempre a mesma coisa, nunca mudava e isso deixava Alzira mais sem paciência e com menos vontade de conversar. Ah, devia ser por isso que ela andava assim nesses últimos dias.

Esperando o ônibus, Alzira se perguntou por que trabalhava tanto e com algo que não gostava. Porque acordava cedo, ia pro trabalho e voltava? Não era pelo dinheiro, porque seu trabalho não pagava tão bem assim. Certamente, não era por prazer, porque prazer era a única coisa que ela não sentia ao redigir aqueles relatórios. Também não era pelos amigos, porque trabalhava num desses cubículos onde a única respiração que se pode ouvir é a sua. Então porque isso, Alzira?

Chegou a conclusão de que era porque foi sempre assim. Ela sempre fez o que tinha que ser feito. Sempre achou que sua vida tinha que ser como os planos que fez enquanto ainda era criança. Tinha que estudar, terminar a faculdade, arrumar um emprego, se casar e ter filhos. Nunca pensou no que viria após isso, e foi isso que ela fez. Estudou, formou-se, arrumou um namorado, arrumou esse emprego e só depois casou. Os filhos ainda não tinham vindo e, às vezes, ela parecia até agradecer por isso. Agradecia porque assim, sua vida insistia em sair dos planos que ela mesma tinha traçado. E isso lhe dava a sensação de estar novamente no comando do seu destino.

“Nove e quarenta e nada desse ônibus chegar”, pensou Alzira enquanto olhava, a contra gosto, para seu relógio de pulso. Olhou para a rua, viu pessoas andando apressadas, num ritmo caótico, cada uma para um lado, ninguém sorria, ninguém parava pra conversar porque não dava tempo e parecia que todos tinham trabalho a fazer. Então ela se perguntou se esse era também o plano que todos tinham feito para suas vidas, e que todos deviam ser realmente péssimos em planejamento, porque ninguém parecia feliz. E se felicidade não era o objetivo do plano, o que deveria ser?

O ônibus chegou as dez pras dez. Alzira subiu, pagou a passagem e buscou um lugar ao fundo, pois não gostava de atravessar o ônibus inteiro depois quando estivesse na hora de descer. Ao ver um senhor dormindo na cadeira ao seu lado ela perguntou se seu plano era mesmo ruim, ou se a vontade de fazê-lo funcionar a impedia de admitir seu erro e procurar um novo plano, uma nova vida. Enquanto divagava um pouco mais sobre sua vida, ela escutou um garoto, que acabara de chegar ao ônibus, dizer para o seu colega: “Ainda falta tanto tempo para as férias! Queria que dezembro chegasse logo!”

E só então Alzira percebeu que ainda tinha muito tempo, que ainda podia errar, admitir seus erros, ainda dava tempo de ser feliz, de tentar de novo, afinal, ainda faltava muito até o final do ano. E se em dois meses tudo pode mudar, tudo podia acontecer nos muitos anos que Alzira teria pela frente.

Um comentário:

Renan disse...

Procastination!
Expiation!
Jorge Antunes para reitor! (todo mundo cantando o jingle)

Eu gostei do texto, dona Alzira
Sò não sei de onde tirou esse nome
=p

E dois meses não é tanto tempo assim...passa rápido, rápido